Quando o jovem André estava por mudar daquele apartamento, onde vivera durante vinte anos, deu-se conta de que gostava do lugar, seu canto, o pequeno quarto dividido com o irmão menor, templo inexpugnável de livros, discos, pranchas, pôsteres, fotos, quimonos, cartas e recordações.
Viera para a casa muito pequeno; dali provinham suas primeiras lembranças, o paraíso do qual acabamos por ser expulsos na transição à adolescência, idade das grandes transformações físicas e psicológicas. Na proteção da pequena fortaleza pudera vislumbrar um mundo que, de mágico, se transformara em confuso, inexplicável e injusto. Naquele templo, misto de lar, escola e refúgio, estavam gravadas com letras eternas as passagens alegres e sublimes da infância
No dia da mudança, meu filho pediu-me que fotografasse o quarto e gravasse suas palavras de despedida quando, emocionado, disse ter passado ali dias encantados e mágicos, mas que a vida deveria ser feita de mudanças. Se é para mudar para melhor, disse-me ele, então é melhor mudar.
As palavras dele ecoaram em minha mente por muitos dias. A vida deveria ser feita de câmbios, não apenas os circunstanciais, mas essenciais, na maneira de pensar, sentir, se conduzir, conviver, viver enfim; para melhor.
Recordei-me de certas palavras que diziam não haver evolução sem mudanças, e deveriam ocorrer, principalmente, no âmbito das ideias, pensamentos e conceitos.
Tudo deve se transformar. Se não podemos alterar os desígnios de uma Vontade superior, que determina um tempo para a vida, a trajetória dos astros, o ritmo do Universo, há um amplo espaço de liberdade para nos movimentar, desde os obscuros níveis da ignorância até as alturas inefáveis do conhecimento.
Por que não mudar a maneira convencional de reagir frente aos fatos do dia-a-dia? Deixar de ser o que somos para algo melhor, superior?
A vida deve ter um grande e objetivo significado: evoluir e ser útil aos outros seres humanos. Esta meta a transforma num campo experimental, obra pessoal, que cada um poderá realizar para o bem próprio e universal.
E o jovem André, que daquela mudança realizou muitas outras, deixou em nossa recordação a imagem de uma passagem singela que, na emoção de uma despedida, transformou-se numa norma de conduta:
“Se é para mudar para melhor, então é melhor mudar. ”