A Noite Eterna

A Noite Eterna

 

No dizer de Schopenhauer, a crença na imortalidade e a na morte como
aniquilação absoluta são igualmente falsas. Seria necessário encontrar
um justo meio entre elas, um ponto de vista superior.

A morte é para o ser humano aterrorizante, porque ele não a compreende.
A vida é muito curta e caminha para a morte rápida e inexoravelmente i.
Esta é a única e grande certeza: um dia se vai morrer.
Por que apegar-se à vida? Por que revoltar-se contra o desígnio
superior?

Antes de existirmos, pondera o pensador, era o estado do não-ser, que é
o mesmo do depois da morte. Por que não nos aterrorizamos também com
este estado anterior ao nascimento?

Para onde vai a luz quando anoitece?

O não-ser anterior ao breve hiato da vida não é outro quanto o posterior
à morte. Por que, então, tanto apego a este infinitesimal instante da
vida diante do eterno e infinito não-ser?

Seria um absurdo considerar o não-ser como um mal, que só existe e é
concebido pela mente humana, a qual, no estado de não-ser, estaria
desprovida de consciência. E o pensador nos recorda Epicuro, que teria
dito: a morte não nos concerne, pois quando somos, a morte não é, e
quando a morte é, não somos mais, concluindo: é no conhecimento que
consiste a consciência, para a qual a morte não é um mal.

O processo de envelhecimento é um morrer gradativo com a extinção das
paixões e desejos, a debilitação do impulso vital. E a morte,
assemelhando-se ao sonho ou ao desmaio, não é em si um mal, senão a
culminação de um processo num átimo dentro da infinitude da eternidade.
Muitas vezes ela é suplicada como uma benção; o derradeiro refúgio.

Não nos parece, ao contrário do que afirma o pensador, que a consciência
seja o produto da vida orgânica, senão o contrário, pois tudo o que
existe é movido por uma única fonte de energia, que pode ser chamada de
forca universal, de Deus, e é no homem a sua consciência.

E para onde vai esta força ao cessar a vida humana? O fato de o pêndulo
se imobilizar, pondera Schopenhauer, não significa que a gravidade foi
reduzida a nada, ou seja, a cessação da vida não implica a aniquilação
do princípio vital, concluindo que a força que antes animava uma vida
apagada é a mesma, a ativa, na vida agora florescente. E esta força
seria o princípio de todas as mudanças.

A Natureza está sempre a demonstrar que o aniquilamento de um indivíduo
é-lhe totalmente indiferente; seja uma rã, um pássaro, um caracol,
uma grande quantidade de seres humanos esmagadas por um terremoto, pois
a ela interessa mais a espécie e menos o indivíduo; ao indivíduo
interessa ele próprio, que se agarra à vida com unhas e dentes por
trazer dentro de si uma força poderosa, a vontade de viver expressa nele
pela Natureza, que parece largar seus filhos à própria sorte, mas não o
faz, pois cuida do indivíduo, cuidando da espécie.

Deus, ou a Natureza, cuida do indivíduo que cuida de si mesmo, luta por
sua própria vida e deve aprender, como ser humano, a compreender que a
morte não é um mal em si, nem tampouco a aniquilação absoluta, senão a
mudança para o estado anterior ao nascimento, que, num impulso vital
inesperado, brilhou por um átimo e se somou aos bilhões e bilhões de
olhos que iluminam e embelezam a noite eterna.