Narciso e a Inutilidade da Vaidade

Narciso e a Inutilidade da Vaidade

 

Narciso, o belo, aquele que se achava superior a todos os demais, por quem as mulheres desmaiavam, o que sonhava encontrar uma tão bela quanto ele, vagava perdido pela floresta, onde perambulavam deuses, ninfas, homens e animais.

 

Os deuses gostavam da floresta. Zeus, o supremo chefe, vez e outra baixava do Olimpo à procura de uma ninfa que o consolasse. Hera, sua esposa, a rainha dos deuses, perseguia o marido travesso pelos meandros da floresta.

 

Certa vez, mirando as águas calmas de um lago, viu um rosto projetado na água, o mais belo. As nuvens que emolduravam o seu reflexo mais pareciam os longos cabelos daquela face feminina, que ele procurara por toda a vida. Ali plantado, apaixonado e imóvel, dispôs-se mirar eternamente o rosto da amada finalmente encontrada.

 

Seus pés, com o tempo, transformaram-se em raízes; seu corpo, arqueado, no caule de uma planta; seu rosto, voltado para a água, numa bela flor alva, perfumada e solitária.

 

Narciso, o que amara o próprio rosto, transformou-se numa planta. Condenou-se à imobilidade eterna pela vaidade.

 

A bela e instrutiva passagem nos leva a uma reflexão sobre a vaidade extremada e sua inutilidade. Num mundo onde a maioria dos seres humanos pretende ser superior aos semelhantes, a condenação à imobilidade da inteligência e da sensibilidade é um grande risco.

 

A vaidade é uma falha psicológica que entorpece a inteligência. O vaidoso ofende, sutilmente, outras pessoas, pretendendo sempre ser superior, admirado, elogiado. Ao inflar a sua figura e os pretensos dotes, procura diminuir os outros. Criticando as pessoas com quem convive, julga poder, num mundo de anões, que sua imaginação cria, ver projetada a sua estatura. Mirando-se no lago estático de suas pretensões, corre o risco, tal qual Narciso, de imobilizar-se para sempre.

 

O amor a si mesmo deve ser desprovido do artifício provocado pelo imaginário da vaidade; não deveria ser diferente do que amar os semelhantes e o Criador de tudo quanto existe; um sentimento isento de pretensão, soberba e imaginação.

 

Ninguém pode amar o que não conhece. O verbo amar é transitivo, não pode morrer em si mesmo.